ArtigosJ.R. Guedes de Oliveira

A humanidade

Já pensaste alguma vez no que tu deves à humanidade? Não? Pois pensa. Nasceste pequenino e fragílimo; terias sucumbido se não fora o teto que te abrigou, o berço macio em que te deitaram, as flanelas em que te envolveram; pensa nos que te embalaram, te encheram de mimos e de cuidados a todas as horas e a todos os momentos, com infinita paciência e infinito carinho.

O teto sólido que te guardou das intempéries foi obra de uma dezena de homens, que penaram ao sol e à chuva meses inteiros. O teu bercinho fofo e quente saiu das mãos de um operário que nunca sonhou, talvez em dar igual ao seu filhinho mais novo, e os linhos, cambraias e rendas que o guarneceram, andaram por mãos de pobres mulheres que os lavraram durante horas e pela noite a dentro, à luz de uma lâmpada, no silêncio da casa pobre, a ferir os dedos e a cansar os olhos.

E pensa agora nos cuidados solícitos dos que te serviram; no doutor que lá vinha, a horas mortas, tratar dos males do teu corpo, no humilde boticário que preparava os remédios com minucioso cuidado, sob responsabilidades terríveis… E pensa nos teares que se movimentaram para produzir os tecidos que te foram precisos; e nos laboratórios que preparara as drogas que ingeriste; e nos lavradores que semearam, cultivaram, colheram o teu linho; e na escola que ensinou o teu médico tudo quanto ele sabia; e na ciência e na arte, transmitidas e aperfeiçoadas de geração em geração, que foram necessárias para que todas essas coisas se fizessem… E pensa ainda em que tua mãe, com a sua sublime dedicação à tua vida, à tua saúde, à tua paz e à tua alegria, não é senão o produto de uma longa educação da espécie, e uma linda flor da cultura humana, que é obra de milhões de almas solidárias na mesma vontade.

Pensa em tudo isso e tu sentirás bem que és um filho da humanidade, nascido das suas dores, da sua labuta e das aspirações aladas. Por ti ela tem trabalhado e sofrido desde o começo do mundo. Por ti, através de milhões de corpos e de espíritos, ela tem padecido todos os rigores infinitos da vida. Venere-a. Mais ainda, ama-a.

Para que a ames, porém será preciso que ames a Pátria, como para que ames a Pátria é preciso que ames a família. Quem não foi bom filho e bom irmão não será bom patriota; embora possa prestar à Pátria um ou outro serviço de luminoso efeito, não lhe prestará contudo o melhor de todos os serviços que ordinariamente se lhe pode prestar – o de viver uma vida modesta de honestidade, espalhando em torno de si o exemplo contínuo e refulgente da pureza de intenções e da elevação de sentimentos… Assim, também, quem não for bom patriota não será amigo da humanidade.

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