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A mesa da cozinha

Lá na fazenda, éramos quatro irmãos.
Eu sou o primeiro, depois vem o segundo, a irmã, que é a terceira, depois o quarto.
Foi obedecendo, respeitando e prestando atenção nas conversas e ensinamentos dos meus pais que aprendi tudo o que sei. Hoje, dou graças por isso.
Se o pai pedia para descascar milho no paiol, eu descascava.
Arrancar feijão? Eu arrancava.
E meus irmãos? Eu olhava.
A mãe ajudava na lição de casa, mesmo à noite, sob a luz da lamparina.
Ouvia histórias que o meu pai contava.
Quando ele estava no quintal trabalhando, eu estava lá.
Os banquinhos de madeira que ele fazia, tripeças, armários de parede com espelho, tudo me fascinava.
Se era no chiqueiro, eu também ia.
Fazendo galinheiro, também ia.
Eu queria fazer tudo o que meu pai fazia: pescar, caçar, andar de carroça, de charrete, no trator.
No quintal da nossa casa, bem na porta da cozinha, havia um pé de manga tão antigo que seis homens não conseguiam abraçar seu tronco.
Essa mangueira cobria parte da casa, e quando o tempo formava, o vento assobiava tão forte que a gente não sabia o que fazer. Era assustador.
As lamparinas, feitas com vidros de Toddy, deixavam a casa na penumbra.
À noite, quando o pai estava em casa e a mãe também, nós quatro, com medo, nos abraçávamos nela.
A casa tinha uma escada de três degraus que levava até a cozinha.
O barranco em frente de casa parecia uma barragem.
A janela da copa, de madeira pesada, era só o pai quem abria.
Dela dava para ver a fazenda vizinha.
Como a cozinha era mais baixa que o resto da casa, e o telhado também, nos cantos o pai pendurava de um lado linguiças e do outro toucinho para curtir.
Havia uma pequena janela de onde se via o pé de manga.
Vou explicar:
Olhando para essa janela, do lado direito, dentro da cozinha, ficava o fogão a lenha.
Do lado esquerdo, um guarda-comida ou guarda-louças.
Na parede dos fundos, havia um banco de madeira comprido, que o pai fez.
Acima, uma bateria de louças pendurada.
No centro da cozinha, uma grande mesa de madeira. Talvez meu pai tenha feito também, mas eu era pequeno, não me lembro bem.
A tempestade ainda não acabou.
As crianças choravam e a mãe também, porque tinham medo.
A bateria de louças fazia um barulho ensurdecedor.
Os relâmpagos não se viam, porque todas as janelas eram de madeira, mas os trovões ecoavam.
Quando o tempo ficava muito feio, como dizia meu pai, ele mandava todos nós entrarmos debaixo da grande mesa da cozinha.
– Não saiam daí! Vou ver como estão o chiqueiro e o galinheiro – ele dizia.
Nosso medo aumentava.
A mãe pedia para ele não sair, mas ele ia.
Era assim a nossa vida na fazenda.
Nossa casa era a única ali, não tão longe do ribeirão, de onde se ouvia o barulho das águas.
Um dia, perguntei:
– Pai, por que temos que entrar debaixo da mesa?
Ele respondeu:
– Porque o telhado é baixo. Se cair uma telha ou um galho da mangueira em cima da casa, a mesa protege.
Hoje, depois de tantos anos, me pergunto: será que a mesa ainda aguentaria?
Como eu disse no começo deste conto, eu sou o primeiro, depois vem o segundo, a terceira e o quarto.
O segundo…
Esse não podia ouvir um trovão, nem de longe. Se estivesse no quintal ou em qualquer outro lugar, botava os dedos nos ouvidos e corria para dentro de casa.
Se enfiava debaixo da mesa e não saía de lá por nada. Chorava!
Mesmo depois de grande, já morando na cidade, se começava um temporal, entrava embaixo da cama, com as mãos tapando os ouvidos.
Que falta faz a nossa mesa da cozinha.

Toninho Junqueira

Toninho Junqueira é locutor há mais de 40 anos, escritor e restaurador de cadeiras antigas e imagens sacras. Desde 2021, conduz sua própria rádio, a São Gonçalo, com 24 horas de programação sertaneja raiz. Fale com o autor por telefone ou WhatsApp: (19) 99147-8069.

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