Capivari

“Eu sou gestor de um local onde nasce muita gente, mas morre muita gente também”, desabafa diretor da Santa Casa de Capivari

Histórica Santa Casa de Misericórdia de Capivari – mesmo lugar, mesmos problemas e necessidades iguais (Foto: Túlio Darros/O Semanário)

Crise, déficit, críticas e ‘brigas’ políticas são palavras que perseguem o dia a dia da Santa Casa de Misericórdia de Capivari. Sob intervenção da administração municipal desde janeiro de 2016, a entidade ‘troca as peças’, mas continua no sufoco, vivendo um dia após o outro, sabe-se lá como, com um rombo mensal de R$ 300 mil, em média.

Atualmente, assina como interventor o secretário de Saúde da cidade, Ivan Rosatto, auxiliado por Celso Alves Ferreira, diretor administrativo desde novembro de 2017. Os números são atuais, mas mostram uma realidade antiga: a Santa Casa sobrevive acumulando dívidas, seja com fornecedores e/ou prestadores de serviços. “Entre Previdência Social e Receita Federal, são mais de R$ 4 milhões”, revela Ferreira.

A reportagem do jornal O Semanário foi recebida pelo diretor administrativo, que atualizou as informações sobre o momento em que vive a entidade, apresentou o novo modelo de gestão, cobrou apoio dos municípios vizinhos e mostrou as melhorias. Confira, com exclusividade, a entrevista com ‘Celsinho’, como é carinhosamente conhecido.

Déficit
A gestão atual da Santa Casa planilha mensalmente todos os atendimentos realizados de pacientes de Capivari e dos municípios vizinhos: Rafard, Mombuca e Elias Fausto, que utilizam os serviços da entidade, que é o hospital de referência na região.

“Hoje eu posso mostrar pra vocês, o número de atendimentos no Pronto Socorro da Santa Casa e internações e consigo relacionar por cidade, o nome das pessoas que foram atendidas, os materiais utilizados durante uma consulta ou internação e o quanto foi gasto. Esses números não são inventados”, conta Celsinho.

Para exemplificar a situação financeira, o diretor administrativo explica que em março deste ano, 97 pessoas foram internadas e que 5.564 pacientes receberam atendimento no Pronto Socorro. O custo total da Santa Casa para esses atendimentos foi de R$ 328.866,40, e o SUS (Sistema Único de Saúde) repassou R$ 131.3886,56, ou seja, ficou uma diferença de R$ 197 mil, no entanto, o déficit operacional geral foi de R$ 243.688,62. “Então, não adianta os municípios dizerem que o dinheiro tá alocado lá (SUS), e que é o suficiente. Não é! Por isso nós passamos por uma dificuldade muito grande. Hoje eu trabalho com um déficit mensal de quase R$ 300 mil”, revela.

Segundo Celsinho, os valores oscilam para mais ou para menos, dependendo muito do número de cirurgias e necessidades para cada tipo de situação. “Hoje nós só estamos funcionando, graças ao prefeito de Capivari. Porque ele sempre aporta os valores de acordo com o que a gente pede socorro, ele prontamente nos ajuda. Senão, já teria fechado. Porque como é que você trabalha com um déficit tão grande quanto esse?”

De acordo com o diretor administrativo, a tabela SUS vem defasada há 20 anos e não acompanha os reajustes quase mensais de materiais, medicamentos, honorários médicos e combustível.

“Tudo isso inflaciona e a tabela vai ficando defasada. O governo Federal não repassa os valores necessários, não só para a nossa Santa Casa, essa dificuldade é nacional. Muitas Santas Casas estão fechando, outras estão sendo doadas para convênios médicos para poder sobreviver”, conta.

Celso Alves Ferreira, diretor administrativo (Foto: Túlio Darros/O Semanário)

Criatividade
Para Celsinho, é preciso muita criatividade para manter a ‘coisa andando’ e que algumas entidades tem recorrido à parcerias com convênios privados. “A Santa Casa de Piracicaba tem o Santa Isabel. Então ela utiliza o atendimento SUS, que é 60% para se isentar, pois a filantropia te dá isenção de encargos, de tributos. Então ela usa para isso, mas o forte dela é o convênio, o Santa Isabel. Ela aporta um valor, ela tem um plus através do convênio. Nós aqui da Santa Casa de Capivari temos 99% de atendimento do SUS”, explica.

O único convênio que o hospital atende é o São Francisco, porém, grande parte dos procedimentos são realizados em Piracicaba. “Estou constantemente em reuniões com o gerente, porque eles ocupam um lugar dentro da Santa Casa e levam o paciente embora. Estou pedindo para que eles deixem esse paciente aqui, assim a gente vai ter um recurso melhor, que é o recurso de convênios”, acredita Celsinho. “Não podemos ficar chorando ou dependendo de uma tabela SUS, que não vai mudar”.

Ajuda
A grande cobrança da administração é que os prefeitos de outras cidades tomem ciência da importância da Santa Casa. “Hoje, Rafard fecha o pronto-socorro às 19h, e vai reabrir no outro dia, às 7h da manhã. Muitas coisas acontecem e muitas pessoas adoecem nesse período. E elas vêm pra onde, pra Santa Casa. Isso tem um custo. Você deixou de gastar no seu município, mas a Santa Casa tá pagando por isso”, dispara Ferreira.

Segundo Celsinho, em épocas anteriores, os municípios ajudavam com subvenções, exatamente para cobrir o déficit causado pela defasagem da tabela SUS. “Existem várias alegações. Uns alegam que a Santa Casa não tem CND, e realmente não tem. Mas isso não importa. Rafard sempre diz que a gente não tem CND, mas isso não te proíbe de passar subvenção. Tanto é que nós recebemos subvenção de Capivari, então é uma coisa legal. Outros municípios alegam que não houve prestação de contas nesse período do passado e não havendo prestação de contas, não tem como fazer uma nova lei. Mas nós estamos mostrando para os prefeitos que foi prestado conta. Então, eu acho que tá faltando um pouco de vontade política de fazer”, critica.

Para o diretor administrativo, se continuar da maneira que está, a tendência é fechar as portas, deixando cerca de 90 mil habitantes da região sem atendimento. “A tendência é fechar porque um fornecedor não consegue trabalhar sem receber. O médico não consegue receber em 90, 120 dias. Então a situação hoje, é muito delicada. Ou a gente vê isso com bons olhos e começa realmente a tomar ações pra poder reverter isso, ou a tendência realmente é essa, não tem milagre. Eu lhe pergunto: chega um acidentado aqui, um esfaqueado, que chega quase que diariamente aqui, eu não posso dizer pra ele que eu não tenho sangue, eu não tenho soro, eu não tenho oxigênio. Eu tenho que ter. Então, a minha situação é bem difícil, eu sou gestor de um local onde nasce muita gente, mas morre muita gente também. Então, minha preocupação é muito grande”, desabafa.

De acordo com Celsinho, os custos estão sendo apurados para se criar uma média mensal e serão apresentados em breve aos municípios para que compartilhem com subvenções mensais.

Acordos
Questionado sobre as conversações com os prefeitos da região, Celsinho disse que não se reuniu pessoalmente com os prefeitos desde que assumiu. “Houve, antes de novembro, algumas reuniões com os prefeitos, nas quais eu não participei. Então eu não vou poder falar dessas reuniões. Ultimamente, eu como Santa Casa, estive numa reunião com o prefeito de Elias Fausto, o Baroni, fomos muito bem recebidos. Ele sentiu realmente a necessidade e quer ajudar. Mas ele está aberto a fazer uma subvenção, a fazer aquilo que for necessário, e tem nos ajudado. Muitas vezes falta material, medicamento, uma ambulância, e a gente tem recorrido a ele”, conta.

Sobre Rafard, o diretor disse que recebeu a visita de vários vereadores que quiseram tomar conhecimento da situação e que assim que finalizar o levantamento dos números, vai se reunir com o prefeito Uil Maia. “A partir do momento que ele souber, que tiver conhecimento, eu acho que ele vai tomar as providências. Ele vai ter que ter alguma ação pra resolver isso. É essa a nossa intenção”, espera Celsinho.

Participação
Ferreira revelou que existiu o início de um trabalho para criar um consócio intermunicipal, mas não foi adiante. “O que existe são as reuniões na Secretária de Saúde, que é uma reunião dos municípios participantes da microrregião que utilizam os serviços da Santa Casa. Então participa os representantes de cada município mais a Santa Casa pra ver realmente os procedimentos que estão faltando, aquilo que pode fazer. Essa reunião é mensal”, explica.

Planejamento
“A partir do momento em que conseguirmos adequar o financeiro, vamos conseguir uma gestão melhor e uma estrutura melhor, porque vamos conseguir fazer planejamento. Hoje, como gestor, eu não faço planejamento, hoje eu sou um síndico da massa falida. É assim que eu considero aqui. Então eu vou apagando incêndio a cada hora. Em primeiro lugar, equalizar essa parte financeira, a partir desse ponto a gente começar a trabalhar com um melhor atendimento da Santa Casa, em todos os sentidos. Hoje, a população está desacreditada. Eu sinto isso. Por melhor que você faça, existe um descrédito muito grande, por ter acontecido outras coisas aqui. Mas eu posso tranquilizar toda a população, que nós temos excelentes profissionais”, desabafou Ferreira.

Profissionais
Celsinho falou sobre a nova equipe de profissionais, que foi reestruturada quase que em sua totalidade. “Nós temos uma equipe que está qualificada para fazer qualquer tipo de procedimento cirúrgico, clínico, de diagnóstico, porque os profissionais são da mais alta qualidade. Nós trocamos praticamente todo o quadro médico, desde o pronto-socorro até a internação. Isso não quer dizer que os outros eram ruins. Nós trocamos porque, como houve uma nova gestão, muitos não se adequaram a gente e outros preferiram ir embora. Eu traria qualquer pessoa da minha família, minhas netas, minha esposa e meus filhos, para ser tratados aqui, porque eu sei da confiança dos médicos”.

O diretor administrativo contou que a Santa Casa oferece pediatra 12 horas e qualquer intercorrência que tenha no pronto-socorro, o profissional é chamado. “Nós temos retaguarda inclusive de ortopedia. A equipe do doutor Carlos tem feito grandes cirurgias. Dr. Gustavo, especialista em joelho, opera pela São Francisco e retornou. Os anestesistas, Dr. Antonio Carlos Munhoz, Marcílio Coelho, que trabalharam na minha época, hoje estão de volta a nossa equipe. Dr. Dirceu também está com a gente”, descreve.

Novidades
Com a intenção de montar uma equipe forte, tanto na parte médica quanto na parte assistencial, de enfermagem, administrativa e financeira, o hospital quer mostrar para a população, que a Santa Casa tem condições de oferecer todos os trabalhos necessários. “Nós temos ultrassom doppler. Já começamos a fazer cirurgias por vídeo. O tomógrafo e raio-X estão funcionando. No setor de imagem, pra se ter uma ideia, nós temos um médico que vem três vezes por semana aqui, o Valter. Ele é médico radiologista. Ele analisa todos os exames e dá o laudo. Poucos hospitais têm isso. Normalmente só tira o raio-X, faz a tomografia, mas não tem quem dá o laudo. Nós temos a cada 15 dias, o doutor Xavier, que vem fazer endoscopia e colonoscopia. São exames feitos aqui, dentro da Santa Casa. São excelentes profissionais. Hoje nós estamos estruturados”, credita Celsinho.

Melhorias
“Precisamos melhorar, claro. Precisamos trocar muita gente, o atendimento ainda tem algumas falhas, mas peço a população que toda vez que houver um desconforto qualquer, uma necessidade que não foi atendida, me procurem ou procurem a assistente social, Ivanete. Vamos relatar e vamos reparar os nossos erros”, pede o diretor.

Capacidade
Atualmente a Santa Casa oferece 62 leitos de internação e realiza cerca de 200 atendimentos diários no pronto socorro. Segundo a entidade, uma média de 70 cirurgias são realizadas mensalmente, sem contabilizar as de urgência ou alta complexidade, que são transferidas para outros hospitais.

De acordo com Celso Ferreira, até 2011, a Santa Casa chegou a operar com 101 leitos e com a UTI aberta. “Se hoje eu tô operando com 60, então eu tô operando com 60% dos leitos, né? A gente tem capacidade pra melhorar muito mais, pra expandir cada vez mais. Mas como não existe o recurso, cada setor que você abrir novamente, você vai ter um déficit cada vez maior”, explica.

UTI
Fechada por questões financeiras, a UTI da Santa Casa conta com todos os equipamentos para funcionar normalmente, o problema é o custo para manter a equipe multidisciplinar. “Para reabrir a UTI, você precisa no mínimo de R$ 350 mil por mês, que é pra manter toda a equipe que trabalha 24 horas, composta por neurologista, psicólogo, fisioterapeutas, intensivistas, enfermeiros etc. Hoje nós não teríamos essa condição”.

Desse custo total, o hospital receberia do SUS apenas 30% do valor, ou seja, em torno de R$ 100 mil. “Mas a ideia do prefeito Rodrigo e de toda o comitê gestor que eu faço parte, é realmente reabrir. Porque não é nem uma vontade nossa, é uma necessidade que nós temos. Hoje, muitos pacientes ficam esperando aí dias e dias por uma vaga, porque o número de leitos de UTI é muito pequeno e a central reguladora que nós fazemos parte, regula os leitos para 26 municípios. Só Piracicaba tem quase 500 mil habitantes. Imagina os outros, Limeira, Rio Claro” disse Ferreira.

Hospital Regional
“Olha, eu vou te falar o que eu vejo: o Hospital Regional é excelente, muito bem montado, planejado, vai atender muito a nossa demanda, só que a partir de 2020. Hoje, eles inauguraram o hospital e estão fazendo alguns ambulatórios como otorrino, alguns exames, então, o hospital não está recebendo pacientes de internação. Agora em nível de hospital, com leitos de UTI ou internações, não está funcionando. A central vai regular esses leitos. Então, em vez de você só ter o Fornecedores de Cana e a Santa Casa, você vai ter o hospital regional com mais 40 leitos de UTI, parece. Vai aumentar esse leque, vai melhorar, mas nós ainda não temos esse trabalho”.

Transporte
“Nós temos uma ambulância cedida pela Prefeitura de Capivari, que é uma ambulância UTI, toda equipada para o transporte de pacientes graves. Ela não é uma ambulância que está aqui pra fazer o transporte dentro do município. Muitas vezes a pessoa torce o pé, não tem como vir e liga pra ambulância ir buscar. Essa ambulância não é pra isso. A Prefeitura sempre manteve aqui, uma ambulância 24h pra esse atendimento: buscar um cadeirante, essas coisas mais simples. E a nossa ambulância UTI somente para transporte de pacientes graves”, explica Ferreira.
Ele também revelou que a ambulância cedida pela Prefeitura quebrou e está em manutenção, portanto, a ambulância UTI está sendo usando para fazer esse tipo de transporte.

Denúncia
Ainda sobre o transporte, Celsinho revelou que muitas pessoas de bairros mais afastados do Centro, se aglomeram em frente ao Pronto Socorro e ficam aguardando a ambulância para pegar carona. “Ali na frente fica cheio de pessoas, senhoras com sacolas na frente da Santa Casa. Pessoas que vêm fazer suas compras na cidade e depois querem que leve embora. Muitas pessoas utilizam a ambulância desnecessariamente”, critica o diretor.

Irmão Amigo
Celsinho falou sobre o funcionamento do projeto Irmão Amigo, mais uma opção encontrada para auxiliar nos custos da entidade. “É um projeto de doação espontânea, que a pessoa faz quando quer, para quando quer também. Quando ela necessita de uma internação, a Santa Casa disponibiliza o melhor quarto que ela tem. Essa é a vantagem de ser um doador do projeto Irmão Amigo. Hoje nós temos em torno de 800 doadores, mais os familiares. É um projeto muito bom, que tem nos dado retorno, que a gente utiliza pra investimento na Santa Casa. É um projeto que a gente tem que avançar, tem que trabalhar melhor porque ele favorece não só a Santa Casa, como também os pacientes. São internados em quartos individuais, com televisão, telefone e ar-condicionado, com direito a acompanhante. É um projeto muito bom. Eu aconselho: quem não tem, que faça. Essa doação é um valor baixo, que te dá um retorno muito bom quando necessário”.

Considerações finais
“É muito importante que a população em geral fique sabendo das condições da Santa Casa, o que acontece. Nós hoje temos o portal da transparência, que é obrigatório a partir de 2019. Ainda está em fase inicial, mas estamos montando. A gente quer que a população saiba que a Santa Casa está aberta. Nós temos vários empresários que tem nos ajudado. Recentemente, a RC Móveis nos forneceu as poltronas no setor de medicamentos e vai adotar um quarto do pavilhão de clínicas masculinas. Eles vão colocar todos os móveis. Então a gente está pedindo: aqueles que possam nos ajudar, que venham conhecer a Santa Casa, pra que a gente possa mostrar o nosso trabalho e a nossa necessidade. A Santa Casa é um hospital importantíssimo não só para população carente, menos favorecida. Todos nós precisamos da Santa Casa”, finalizou Ferreira.

Jornal O Semanário

Esta notícia foi publicada por um dos redatores do jornal O Semanário, não significa que foi escrita por um deles, em alguns dos casos, foi apenas editada.

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