Rubinho de Souza

Ismael Sanches – por Jorge Panserini

Nascido em 5 de maio de 1951, meu amigo Ismael completaria hoje setenta anos. Devo-lhe esta lembrança e rabisco este pequeno texto.

Ismael era o mais velho dentre dez irmãos de família pobre. Ele e os irmãos mais velhos cortavam cana desde a infância e assim ele aprendeu na lida valorizar o trabalho e respeitar os trabalhadores pobres.

Aos catorze anos, numa terça-feira, 7 de dezembro de 1965, sofreu um acidente ao mergulhar num lugar chamado Poção, um remanso de um dos riachos da Fazenda Santa Cruz, fraturando a coluna cervical. Não havia na época conhecimentos básicos de primeiros socorros e ele foi transportado às pressas sentado na cabina de um caminhão, amparado por duas pessoas, sofrendo solavancos no pescoço.

Permaneceu em coma por quarenta dias, entre a vida e a morte numa situação dramática. Os cabelos de seu pai, Romão ficaram brancos em poucos dias. Mais de uma vez os médicos bondosamente fizeram vistas grossas ao percebê-lo burlando as regras hospitalares, escondido debaixo da cama para passar a noite com o filho moribundo.

A consolidação das lesões resultou em limitação dos movimentos das pernas, perda da força nos braços e mãos, grave incontinência urinária e outros traumas com os quais teve que lutar pelo resto da vida. Com muito esforço pessoal e incentivo de familiares e amigos submeteu-se a fisioterapia com aparelhos improvisados até que, por vários anos, conseguiu andar com auxílio de uma muleta canadense, com muitas dificuldades.

A família mudou-se para a cidade, onde Ismael voltou a estudar, concluindo o curso primário no Grupo Escolar Augusto Castanho e ingressando no Ginásio Padre Fabiano em 1971. Destacava-se dos demais alunos por suas limitações físicas e também pela maturidade, já com dezenove anos entre colegas de onze. Mas também era humilde, sábio e bondoso, pelo que fez muitas e grandes amizades, pois os corações sinceros dos adolescentes não mascaram sentimentos. Com um coração de menino e a sabedoria de um idoso, tornou-se o conselheiro de uma multidão de amigos.

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Na foto, Ismael Sanches está participando como jurado num dos Festivais de Música, que aconteceram em Rafard, no Cine Paratodos – ele é o primeiro, da primeira fileira (Foto enviada pelo colunista)

Concluída a oitava série, foi impedido de ingressar no colegial por leis que na época limitavam a idade e assim cursou o ensino médio na Escola Técnica de Comércio, formando-se técnico em contabilidade.

Em 1975 iniciou a carreira de radialista como locutor da Rádio Cacique, com programa semanal e depois diário. Na mesma época tornou-se jornalista, com coluna semanal no Jornal da Cidade e depois na Tribuna Regional.
Cursou Direito na Universidade Metodista de Piracicaba entre 1978 e 1981, período final do regime militar, quando a universidade era fórum de debates políticos e conscientização democrática. Exerceu em Capivari um jornalismo crítico, com ideias inovadoras, tornando-se um dos articulistas mais lidos da época. Exerceu a advocacia voltada aos interesses das classes minoritárias e humildes, contribuindo para questionamentos sociais.
Candidatou-se a vereador nas históricas eleições gerais de 1982 que incluíam eleição direta para governador depois de longo período de governadores biônicos nomeados pelo Regime. Foi o vereador mais votado, com 582 votos e desde logo Presidente da Câmara. Na política continuou lutando pela consolidação da democracia, pelos direitos dos mais fracos com dignidade e honestidade.

Com o passar dos anos, foi sendo vencido pela deficiência física. Não mais conseguia andar com muletas, passando a necessitar de cadeira de rodas. Não tinha força muscular nos braços suficiente para impulsionar a cadeira e dependia de alguém para conduzi-lo e para pô-lo no carro. Dependia de seus abnegados irmãos e amigos para galgar, carregado de forma humilhante, as escadarias da câmara, do fórum e de diversos prédios. Isto o desanimou bastante, mas jamais ele reclamou da sorte. Lutou por direitos dos deficientes a acessibilidade.

Seu censo crítico prosseguiu no jornalismo radiofônico que passou a exercer diariamente na rádio comunitária Alternativa FM, da qual ele foi co-fundador. Mas as lutas e ideias não faziam dele um sujeito sisudo. Não! Era alegre, descontraído, com humor inteligente, sempre cercado de amigos, familiares e crianças. Fez poesias, músicas, participou de festivais.

Não perdeu a humildade, jamais andou à cata de aplausos e detestava a lisonja. Ser-lhe ia adequado o pensamento do poeta inglês Lord Byron: “Nada de monumento coberto de elogios. O meu epitáfio será o meu nome, nada mais”. O exemplo de sua vida também nos remete ao pensamento do célebre Mahatma Gandhi: “A força não provém da capacidade física e sim de uma vontade indomável”.

A homenagem acima, obviamente escrita pelo Dr. Jorge Panserini, que por ser amigo inseparável do homenageado, teve o privilégio de acompanhar de perto todos os sucessos alcançados por Ismael, que foram muitos. E por isto recebe hoje nossas homenagens.

Na foto, ele está participando como jurado num dos Festivais de Música, que aconteceram em Rafard, no Cine Paratodos – ele é o primeiro, da primeira fileira.logo do fundo do baú raffard

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