J.R. Guedes de Oliveira

Os sábios

Escritor J.R. Guedes de Oliveira (Foto: Divulgação)

Em pesquisa aos jornais antigos, deparamos, muitas vezes, com verdadeiras preciosidades de lições de vida.

Tanto é verdade que, estes dias, observando e anotando interessantes e oportunos artigos e notas diversas, históricas, é claro, visualizamos, no jornal Gazeta de Capivari, edição de 11 de julho de 1909¸ o que relatamos.

Na verdade, uma reflexão da criação de Meliton Gonzalez, talvez um espanhol, mas que não conseguimos descobrir verdadeiramente a sua origem e os seus outros trabalhos literários.

Com o título de “Os Sábios”, assim ele descreve o fato:

“Um poeta, um advogado e um engenheiro estavam hospedados numa casa de pensão.

A dona da casa tinha uma filha formosa, Rosaura, e por esta se apaixonaram os três pensionistas, três altos expoentes da mentalidade, como, agora, se chamamos sábios a si mesmos.

E traziam assediada a jovem – o poeta como olhares ternos e lânguidos; o advogado, com discursos; e o engenheiro, com teoremas, dos quais deduzia que o seu amor era sintético e tendia para o infinito.

Os três rivais teriam chegado a vias de fato, se Rosaura não o impedissem, chamando-os, certa manhã, ao seu quarto e falando-lhes deste modo:

– Os senhores, todos, são dignos de meu amor; mas, na impossibilidade de aceitar todos três, decidi preferir aquele que, a meu juízo, der explicação, mais cabal de um estranho fenômeno. Veem os senhores essa porta?

É do meu quarto de vestir. Não há ninguém lá dentro, nem há outro meio de fechá-la senão este pequeno cadeado, que acabo de tirar. Entretanto, por mais que a empurre, hoje não posso abrir esta porta.
Com efeito, os três altos expoentes da mentalidade empurraram a porta, sem conseguir que essa cedesse.

– Em que consiste este fenômeno? – perguntou Rosaura.

Disse o poeta:

– Toucador de Rosaura! Alostérico habitáculo. Triunfos de estesia. Críspada lioza. Parábolas de luz esfumada, dolente e flagelosa. Enteomania. Filariose. Ginecomania Oráculo Santo cenáculo. Ceucida macerina heiênica. Escidaf sonosal. Paraselene hermosa. Tuero ensenhoreado de triunfal pináculo. De planta unicaule em flor, hípetro inebriador. Tu ventalla cerró la mano del destino. Rosaura hirquitallada; dentro de tu tocador. Está empuja hacia mi tu ático minervino.

O advogado:

– Está fechada essa porta? Ah! senhores; não basta, não, que a nós todos no-lo pareça! A organização do corpo humano não é perfeita. O branco, às vezes, nos impressiona como vermelho, se antes temos olhado para o verde, como o verde nos parece vermelho. Vede quão facilmente somos enganados pelos sentidos! Necessário é, portanto, que se abra um inquérito minucioso, no qual figurem declarações de quantos operários trabalharam na edificação desta casa; de testemunhas que o provém; de peritos que esclareçam o caso, etc., e4tc., a fim de deixar plenamente provado que a porta em questão está real e efetivamente fechada; depois desse requisito, entrarei em matéria, e demonstrarei o porquê do fenômeno.

O engenheiro:

– O estado higrométrico da atmosfera aumentou o volume da madeira, produzindo-se uma espécie de engrenagem, entre as fibras do canto da porta e as do portal. Isto tem aumentado o atrito entre ambas as superfícies, atrito que é uma força passiva, a qual designaremos por “Q”. Chamaremos “S” a soma de nossos empurrões, com os quais não podemos abrir a porta, e teremos o fenômeno explicado, apenas com esta simples desigualdade, ou inequação: “Q” maior do que “S”.

Os três discursos foram ouvidos pelo carvoeiro, o qual, deixando seu cargo no corredor, entrou e disse:

– Nada disso; esta porta não se abre, por mais que a empurrem, porque se abre assim para cá, puxando por ela.

E, com efeito, assim a abriu.

ARTIGO escrito por J. R. Guedes de Oliveira, ensaísta, biógrafo e historiador. Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do jornal. São de inteira responsabilidade de seus autores.

Jornal O Semanário

Esta notícia foi publicada por um dos redatores do jornal O Semanário, não significa que foi escrita por um deles, em alguns dos casos, foi apenas editada.

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