Senhor Egídio
Senhor Egídio foi um caboclo da roça.
Trabalhador.
Forte.
Enfrentava as barrocas da fazenda sem medo.
Se quisesse saber onde estava seu Gídio – assim todos o chamavam –, bastava descer as barrocas, beirando o mato.
Pelo som da machadinha, logo seria encontrado.
Uma machadinha que ele não largava nunca.
Quando voltava para casa, trazia um feixe de lenha para queimar. Mas, de longe, já se ouviam as batidas ritmadas do seu machado na mata.
Muita gente tinha o costume de ir até lá cortar um cabo de enxada ou buscar lenha.
Seu Gídio já era aposentado. Vivia sossegado!
Logo de manhã, pegava seu machado e, em pouco tempo, já se escutava o compasso do machado.
Era bom de prosa e sabia contar causos como ninguém.
Passava o dia por lá. Cuidava da rocinha que fizera, cheia de milho verde, abobrinha e quiabo. Ele avisava:
– Se alguém quiser, à tarde eu trago!
E trazia mesmo.
Quantas vezes foi visto trazendo uma fieira de peixes.
Seu Gídio morava sozinho. Fazia o próprio café e, muitas vezes, almoçava por lá mesmo.
Tinha tudo! Horta, peixes, aves, bichos. E conhecia tudo daquelas bandas.
Mesmo quando já era noite, os sapos cantando no brejo, ainda se ouvia o som do seu machado.
Era um homem que não se mostrava cansado.
Caprichoso, fazia covos, jacás e cestas de bambu.
Certo dia, seu Gídio fez uma festa com a criançada da colônia da fazenda.
Talhou assobios de madeira e os distribuiu. Cada assobio imitava o som de uma ave!
Imagine só: várias crianças assobiando com muita alegria.
Isso chamou a atenção de todos os moradores daquele lugar.
Muito querido era o bondoso senhor Egídio.
Mas, numa tarde, um morador da região desceu à barroca para cortar varas, que seriam usadas para malhar feijão no terreiro.
Seguiu o mesmo caminho de sempre.
Ao chegar na passagem da água corrente, avistou seu Egídio caído à beira do riacho.
O machadinho ainda firme em sua mão. E os pés submersos na água.
Seu Carmelo, assustado, correu para socorrer o amigo.
Mas era tarde.
Devia ter passado mal ao atravessar a água, e caiu ali mesmo.
Aquele homem que fez tantas amizades, tão querido naquele lugar, partiu desta vida.
Ao ser socorrido, seu machadinho, tão estimado, ficou perdido na barroca.
À beira da água.
Desde então, as pessoas ficaram com receio de voltar lá na mata.
E, ao cair da tarde ou à noite, todos ouvem o barulho compassada de um machado.
Os pais dizem aos filhos que é um sapo, que faz um som parecido com o de um martelo.
Até lhe deram esse nome: chamam-no de “sapo-martelo”.
Mas… e se não for?
E se, na verdade, seu Egídio não abandonou aquele lugar?
Há quem ouça esse mesmo som em outros lugares, até em outras cidades, e diga ser o tal sapo.
Será?
Esta é mais uma história que passou pela minha cabeça.
Não é verídica.
Mas conheço o canto desse sapo. Ele realmente lembra as batidas de um martelo à beira do brejo.
A última vez que ouvi foi numa viagem a Ouro Preto.
Na boca da noite, sentamos na varanda, observando o gramado e a piscina margeando a mata.
Lá dentro, um brejo oculto na escuridão.
E então, sem demora, começou.
O tal sapo-martelo, batendo um som perfeito.
Na minha história, seria o machado do senhor Egídio.