Arnaldo Divo Rodrigues de Camargo

Substituição de compulsões

Arnaldo Divo Rodrigues de Camargo é especialista em dependência química pela USP/SP-GREA

Em dez anos de atendimento a pacientes de dependência química, fomos aprendendo que as pessoas têm dificuldades para abandonar um hábito. Isto é muito simples: o cérebro é “mal-acostumado”, e precisa de treinamento para abandonar um vício.

Nas clínicas, os alcoólatras ou adictos trabalham para livrar-se daquilo a que o corpo (compulsão) e a mente (obsessão, ideia, fissura) estão ligados, e, na emergência, transferem parte dessas compulsões para o cigarro e a comida.

Um jovem internado durante 180 dias engordou 30 quilos, proporcionalmente 166 gramas por dia. Outro, que não fumava habitualmente, somente quando fazia uso de álcool, passou a fumar diariamente.

O hábito, quando se transforma em vício, passa a ser o tirano do espírito. E o corpo, que deveria ser um instrumento útil e bom companheiro, passa a ser um explorador do inquilino, o espírito.

O escritor e filósofo espírita francês Léon Denis recomenda para nossa saúde: “Dar ao corpo o que lhe é necessário, a fim de torná-lo servidor útil e não tirano, tal é a regra do homem criterioso”.

Hábitos como beber, fumar e comer despertam sensações de prazer ao liberar o neurotransmissor dopamina no sistema nervoso.

A ciência explica como o hábito ruim toma conta do indivíduo, de sua mente, ou seja, como as recompensas imediatas agem no cérebro: “A dopamina age no striatum, região do cérebro ligada aos impulsos e comportamentos automáticos. E então o comportamento ‘ruim’ acaba virando um hábito nocivo”.

A atriz Giulia Costa (1), de 19 anos, confessou sua compulsão por comida. Falando sobre compulsão alimentar, ela declarou nos seus stories “que tem compulsão por doces, mas melhorou ao longo dos anos. Eu já fui mais compulsiva, hoje em dia eu aprendi a me controlar, comecei a meditar, a fazer ioga, isso pode parecer besteira, mas me ajudou muito. Era muito mais compulsiva, ansiosa, era muito pior. Ainda hoje eu esqueço e não penso muito. Esse final de semana eu bati sete pratos de arroz e feijão”, confessou, aos risos.

Diante de um público de 21 pacientes, eu falava sobre o enfoque em praticar a entrega dos seus sentimentos e dificuldades para ir vencendo dia a dia os problemas que vão surgindo, especialmente quando estão internados.
Um deles me indagou: “Você acha justo no almoço dividir sete bistecas com 21 internos?”. Respondi com outra pergunta: “E o que você acha?”. Ele não perdeu a oportunidade de alfinetar: “Que o administrador da cozinha tem que dar mais mistura”.

Então argumentei: “Você não está usando o terceiro passo de AA e NA, que recomenda entregarmos nossa vontade (desejo) e nossa vida aos cuidados de Deus, na forma em que O concebemos. Você se lembra de que tinha tudo em sua casa: comida e mistura? Era à vontade no seu lar, no restaurante, na pizzaria, na churrascaria e na lanchonete. E o que você fazia? Trocava tudo por tabaco, álcool, maconha, cocaína, ecstasy, crack. Tinha tudo ao dispor e ia usar ou beber. Agora tem tudo regulado, na medida certa e na hora certa, e quer reclamar dos limites que são impostos para manter sua saúde? Quer trocar a compulsão do álcool e outras drogas pela comida e cigarro?”

A clínica trabalha no limiar da sabedoria. Comer demais causa obesidade, que pode provocar pressão alta, diabetes, excesso de ácido úrico, triglicérides, colesterol e outras complicações. E ainda: comer demais, com o “bis”, causa sono depois, pois o cérebro gasta muita energia no funcionamento da máquina digestora (o estômago). Diz o médico André Luiz: “Estômago cheio, cérebro inábil”.

ARTIGO escrito por Arnaldo Divo Rodrigues de Camargo é especialista em dependência química pela USP/SP-GREA
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Jornal O Semanário

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