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Um homem e uma vontade de viver: história para pensar

17/01/2014

Um homem e uma vontade de viver: história para pensar

João Corrêa descobriu os primeiros tumores aos 46, e junto, o amor pelo artesanato
Dentre as inúmeras peças, seu João gosta de fazer cadeiras de bambu (Foto: Laila Braghero/O Semanário)

RAFARD – O que você faria se descobrisse que tem câncer? Entraria em desespero, tal qual naquele dia em que se deparou com uma cobra no quintal, ou aquela outra vez em que encontrou uma barata dentro de casa? Bom, Seu João sempre manteve a calma quando achava escorpiões no terreno da antiga residência. Não seria agora, ao descobrir a doença, que iria perder as estribeiras. Então, decidiu que continuaria vivo, com todos os significados que essas quatro letras podem carregar, de acordo com a percepção de quem as lê.

E é assim que, numa simples casa de portão azul claro, na calma Rua Moacir Moraes de Barros, em Rafard, o ex-cabo e massagista do Exército, seu João Corrêa, 60, segue em frente com a esposa, dona Clarice, 58.

Há 14 anos, aconteceu a primeira operação, para tirar dois tumores do “céu da boca”. Sete anos depois, outro tumor, dessa vez no maxilar, encontrando com a língua, ocasionando em mais uma cirurgia. Para a recuperação, os médicos puseram uma espécie de arame segurando a mandíbula. Não demorou muito e o ouvido direito foi perfurado, e seu João precisou ser operado pela terceira vez.

Hoje, o motorista, que durante 30 anos também trabalhou em usina, fala e come com dificuldade, pois não tem mais a língua, parte da gengiva e nem alguns ossos do rosto. Para preencher as lacunas, foi preciso retirar uma quantia de pele da barriga. Os doutores da Unicamp, que nunca haviam realizado uma cirurgia como essa, disseram que o homem poderia não sobreviver, e se resistisse, não falaria.

Mas ele falou. Então trataram de avisar o casal que Corrêa só poderia se alimentar por meio de uma sonda. E mais uma vez ele deu a volta por cima das estatísticas, e garante que come e bebe de tudo – batido liquidificador de dona Clarice, é claro – mas nem a pinguinha escapa vez ou outra.

Quanto menor o carrinho, mais tempo o artesão leva para construir (Foto: Laila Braghero/O Semanário)

Depois de tanto corre, corre e recém-saído da usina, devido à doença, o pai de Kátia, 28, William, 30, e Rosimari, 36, pensou: “o que eu vou fazer agora?”. E tão rápido quanto um raio de luz, resolveu que dali para frente se dedicaria ao artesanato, cuja arte aprendeu sozinho, tentando, entre uma lixada e outra, construir um exímio carrinho de madeira.

“Os maiores demoram 10 dias. Os pequenos eu demoro mais, em torno de 20 dias. Quanto menor, mais lento para fazer”, explica seu João, apresentando uma variedade de carrinhos em tamanhos, modelos e cores. Além dos delicados automóveis de mentirinha, o homem comenta que também gosta de inventar cadeiras de bambu e garrafões de vidro para colocar água.

Amola alicatinho de unha, faca, serrote, e ainda sobra tempo para atender o pessoal com problema na coluna e múltiplos “mau jeitos”. “Hoje já vieram seis. Tem gente que chega curvado, se consultou com o médico, gastou com uma porção de remédios, mas não adiantou. Aí, vem aqui e em poucos minutos eu coloco a coluna no lugar. A pessoa nem sente”, esclarece o massagista.

Segundo seu João, vencer na vida é “ter uma fé que não seja de meio termo. É não cuidar da vida de ninguém, assim como não julgar e não falar mal”. Para o marido da dona Clarice, de nada adianta se desesperar frente a uma dificuldade, uma vez que “quanto mais nervoso você fica, pior se torna a situação também”. Considerado por estudiosos da área como exemplo de vida, ele afirma que é preciso aceitar o câncer.

“O João conheceu pessoas que tiveram a doença depois dele e não sobreviveram por mais de oito meses. Os médicos dizem coisas para justificar as mortes, mas para mim, muitos se tornam depressivos, não sabem lidar com a situação, e isso só piora o quadro”, conta a mulher dele.

Soltando a criatividade, ajudando o próximo, sorrindo. Assim vive seu João Corrêa, com seus artesanatos espalhados pela casa, a quem interessar possa, já que na feira não dá mais para expor. “Alguns davam risada de mim, então parei”, diz, sem mágoas no olhar. Aos que vão visitá-lo ele mostra, e vende, e conversa, mas as encomendas também chegam pelo telefone*.

“Se preciso fosse, eu viveria ajoelhado e com as mãos para o céu dizendo ‘obrigado, obrigado e obrigado, Senhor’. Mesmo com tantas dificuldades, eu não reclamo. Eu vivo normalmente. Eu posso comer. Minhas refeições duram cerca de uma hora, mas valem a pena. Eu sou muito feliz”.

*Seu João deixou avisado que se você, que leu esta história até o final, quiser entrar em contato com ele, pode ligar para o celular 9-9109-1518 ou então, na casa dele mesmo: 3496-2242.

Jornal O Semanário

Esta notícia foi publicada por um dos redatores do jornal O Semanário, não significa que foi escrita por um deles, em alguns dos casos, foi apenas editada.

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