O ábaco foi o primeiro dispositivo de cálculo inventado pelo homem, na antiguidade, para facilitar o trabalho de contagem simples das coisas. Daí até a metade do século XX, em 1945, quando foi concluído o ENIAC (Electronic Numerical Integrator and Computer), o primeiro computador, a humanidade percorreu um longo caminho.
Mas nos últimos sessenta ou setenta anos, os computadores alcançaram um desenvolvimento extraordinário. Os grandes e pesados equipamentos foram sendo substituídos por dispositivos menores, mais rápidos e mais acessíveis. Eles passaram a fazer parte do cotidiano das pessoas, direta ou indiretamente, tornando-se essenciais em todos os campos do desenvolvimento humano.
Na segunda metade do século XX, foram dados os primeiros passos para criar uma máquina que imitasse a inteligência humana. Mais recentemente, isso vem ganhando campo e aplicação diversificada, sendo colocado à disposição de diferentes usuários.
Esse trabalho foi chamado de IA ou “inteligência artificial” e tornou-se uma área da computação que se dedica ao desenvolvimento de sistemas com capacidade para realizar tarefas que, normalmente, exigiriam a inteligência humana. O objetivo da IA é simular o raciocínio humano, sua capacidade de aprender, resolver problemas e tomar decisões. Mas o que a IA tem a ver com política?
O fato é que ela já começa a ter um impacto importante na política, desde o processo eleitoral até a governabilidade. Durante o processo de campanha, por exemplo, a IA vem sendo utilizada para analisar os dados dos eleitores, sobretudo a partir das redes sociais, fazendo projeções e personalizando a comunicação.
Esse recurso pode aumentar o envolvimento do eleitorado, estreitando a proximidade entre candidato e eleitor. Outro recurso positivo de análise é a possibilidade de prever o impacto das políticas públicas em áreas como saúde, educação, mobilidade humana e meio ambiente. Esses recursos de análise possibilitam tanto a elaboração de projetos mais pontuais quanto a tomada de decisões mais assertivas na ação de governo.
No entanto, há pelo menos dois problemas que precisam ser enfrentados no uso desses recursos de IA. O primeiro e possivelmente o mais grave é a questão da privacidade das pessoas. O uso da IA para fazer um levantamento de dados pode ser um caminho para entrar na privacidade das pessoas, sem consentimento, usando, por exemplo, o cruzamento de informações de diferentes sites e plataformas.
Até onde pode ou não ir essa coleta de dados? Um segundo ponto preocupante é a desinformação, gerada pela propagação de notícias falsas. Ao mesmo tempo que a IA pode ser utilizada para descobrir padrões de propagação de notícias falsas, também é possível manipular vídeos, imagens e discursos ou falas.
A pergunta que fica é: Como avançar no uso da inteligência artificial, sem perder a capacidade humana de decidir?
A resposta para essa e outras perguntas não é simples e nem fácil. Claramente, a IA é uma realidade que não vai retroceder, mas o seu uso deve ser mantido sob controle legal. É necessário preservar a individualidade e a privacidade das pessoas, mas sem descuidar da liberdade de informar a verdade.
Uma linha tênue separa a liberdade e o controle absoluto da informação. Nesse admirável mundo novo, onde a IA ocupa um lugar de destaque, a responsabilidade eleitoral também deve ser outra. O resultado de análises de pesquisas não pode ser o critério para escolha de nossos representantes.
É necessário conhecer a vida e a atuação política do candidato, sua capacidade de liderança e sua honestidade no cumprimento das propostas de campanha, em caso de reeleição. O eleitor deve estar atento para notícias falsas, propaganda enganosa e miraculosa, com soluções que não têm viabilidade. Nenhuma análise fria e mecânica pode substituir a empatia e o relacionamento humano.
Além disso, o eleitor deve estar atento ao embate pessoal e desleal entre candidatos, que ocorre quando, em vez de apresentar as próprias propostas de trabalho e solução de problemas, um candidato se ocupa em difamar e expor o adversário. A política é um caminho que leva à justiça social e ao bem comum, e a escolha do eleitor é o que põe esse processo em movimento.
Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba