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Acabou a folia. Na avenida.

O Carnaval acabou. O Brasil já se despiu da fantasia. E como se diz nos quatro cantos deste país: agora começa o ano.
E aí o povo cai na real: conta pra pagar, emprego a procurar e filas nos postos de saúde pra enfrentar. Acabou a folia na avenida mas no cotidiano, a folia está começando.
E infelizmente brasileiro gosta é de pão e circo. Não fosse isso, não seríamos obrigados a presenciar o grotesco espetáculo que se seguiu à apuração das escolas de samba de São Paulo, na terça-feira, 21. A falsa alegria estampada na avenida após os desfiles deu lugar à verdadeira face da falta de respeito, à depredação e à violência que se fizeram no calor da derrota. A inconformidade com os votos apurados fez com que se formasse um protesto que culminou em selvageria e vandalismo.
O mundo inteiro assistiu ao show de luzes e cores na avenida e depois presenciou a violência e a falta de vergonha de um povo que ainda prefere ficar na miséria e na ignorância.
Como é que ainda conseguimos assistir a esse espetáculo lastimável no qual o povo brasileiro é capaz de protestar por uma escola de samba; se perdeu ou ganhou o título? Enquanto isso, os problemas brasileiros continuam e ninguém faz nada. Não se protesta por melhores condições de educação, por mais moradias e por saúde nesse país. Mas se arma um escândalo de proporções gigantescas pelo título de uma escola de samba.
E vamos raciocinar só um pouquinho. Com certeza, a grande maioria dos vândalos que fizeram a arruaça durante a apuração das escolas, no dia seguinte estava na fila do SUS, sendo muito mal atendida, sem ao menos saber que neste ano o Brasil terá menos R$ 5,7 milhões de investimento na saúde pública porque o governo aprovou o orçamento da União com esse triste corte. E isso significa menos medicamento nos postos, menos médicos e consequentemente, vamos presenciar mais filas nos postos de saúde, como aquela do Posto de Saúde do Bairro Padovani, há cerca de duas semanas. E ninguém sabia de nada e o povo não abre a boca pra dizer nada!
Então nos perguntamos: por que é que a mesma energia desperdiçada no quebra-quebra da apuração das escolas de samba não é gasta com melhores escolhas nas eleições? Por que é que o povo brasileiro aceita passar a humilhação de ficar horas numa fila esperando para agendar um médico nos postos de saúde pública? Por que é que não se protesta por leis mais severas e uma fiscalização eficiente para coibir crimes como o que matou uma menininha de apenas 3 anos numa praia nesta mesma semana, atropelada por um jet ski, que era pilotado por um adolescente?
Uma das piores coisas nesse questionamento é perceber que as perguntas estão cada vez mais sem resposta, pois ninguém sabe, ninguém viu. Nós continuamos agindo como se o assunto não fosse conosco. E prosseguimos ouvindo o mundo aplaudir a falsa alegria brasileira, assistindo ao desfile das escolas nas avenidas do samba enquanto nossas crianças morrem atropeladas, nossos enfermos morrem à espera de atendimento médico e a vergonha estampa as manchetes dos jornais daqui por diante.
Aproveitando a deixa, a CNBB lançou nesta semana em todo o Brasil a Campanha da Fraternidade 2012, cujo tema é “Fraternidade e Saúde Pública”. Como em todos os anos, a Igreja Católica convida a todos para uma reflexão durante a quaresma. Neste ano, o tema discute a realidade da saúde pública brasileira e a falta de condições dignas de atendimento na saúde para o povo brasileiro.
Todavia, ainda é um trabalho de formiguinha, visto que há grande parte da população brasileira se mexendo apenas por questões inúteis, que não influenciam em nada na melhoria desse povo. Brigas por futebol, por escola de samba, preocupação com os escândalos no Big Brother. Quanta bobagem permeia a mente e rouba a energia do brasileiro!
Por outro lado, há uma ínfima parcela de trabalhadores preocupados em melhorar esse país. Pessoas que passam a vida inteira contribuindo com seu trabalho, com mente e coração empenhados em desenvolver no Brasil um futuro promissor. Gente que debaixo de sol, de calor ou de chuva, abre a terra pra brotar a semente do progresso e do desenvolvimento. Gente na casa, na lavoura, nos hospitais, nas escolas e universidades, dando seu sangue e suor por um país melhor. Mas o espetáculo que eles apresentam todos os dias, nem de longe faz com que seus compatriotas ofereçam o valor atribuído às festas de Carnaval, futebol e outras paixões nacionais.
Mas depois que passa a grande festa do Carnaval e as mazelas humanas estampam os jornais, é esse espetáculo real que continua a manter esse país em pé, andando, seguindo em frente e lutando para que ele seja melhor e ofereça aos filhos dessa terra, quem sabe um dia, saúde de qualidade, justiça e igualdade social.
Por enquanto, temos a certeza de que vamos nós de novo, ver o nosso povo pensar no enredo e na fantasia do próximo ano. Afinal, a folia acabou, lá na avenida.

Jornal O Semanário

Esta notícia foi publicada por um dos redatores do jornal O Semanário, não significa que foi escrita por um deles, em alguns dos casos, foi apenas editada.

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