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De pai para filho: amor, distância e futebol

09/08/2014

De pai para filho: amor, distância e futebol

Aurélio Venâncio Bortolança Junior, 48, convive com a dor de não ter um dos filhos por perto, mas se orgulha em vê-lo trilhando o mesmo caminho que ele: ser jogador de futebol

CAPIVARI – “Eu procuro respeitá-los e fazer com que me respeitem também. Não abro mão da disciplina e da organização”, diz firme Aurélio Venâncio Bortolança Junior, 48. Ele é pai do jogador de futebol Bruno Uvini, 23, e da administradora Jéssica Uvini, 25. Mas se considera pai de outros tantos garotos que já passaram pela escolinha Pinta de Craque, além dos alunos associados ao Capivari Clube. “Chegamos a ter 400 meninos na Pinta de uma só vez, com aulas de manhã e à tarde todos os dias.”

(Foto: Laila Braghero/O Semanário)
O instrutor de futebol vive ao lado da esposa e da filha, e mata a saudade do filho por telefone ou internet: ‘eu gostaria de estar mais presente’ (Foto: Laila Braghero/O Semanário)

Mais conhecido como Tuca, o marido da designer de bordados Jacyana Uvini Bortolança, 46, é instrutor de futebol e ex-jogador profissional. Sócio-proprietário de uma escolinha de futebol em Capivari, que completa 19 anos no fim de novembro, precisou se acostumar a ser pai à distância de um filho que, aos 11 anos, já sabia o que queria: ser igual ao pai.

Em compensação, mantém uma relação de amor, carinho e amizade com a filha, que vê todos os dias, e nutre o sentimento paternal por cerca de 250 meninos e meninas entre cinco e 16 anos, os quais incentiva a se tornarem seres humanos humildes, respeitosos, dedicados e perseverantes. “Se estão lá é porque têm saúde. Então, precisam aproveitar a oportunidade, pegar firme, porque muitos gostariam de fazer o que eles fazem, mas não podem”, diz Bortolança.

“Eu os trato como se fossem meus filhos. Procuro educá-los, dar o exemplo sempre.” Isso porque, segundo Tuca, a meta da Pinta de Craque não é revelar atletas a grandes clubes, embora aconteça, mas sim formá-los para a vida em sociedade. “Com o esporte a gente aprende muito: dividir, seguir regras, ter horários, se organizar, interagir com pessoas diferentes de você. Esse é o principal objetivo.”

De acordo com a esposa, Tuca tem uma relação muito boa com os alunos. “A criançada adora ele. Quando a gente sai na rua alguém sempre mexe. Eu brinco que parece até vereador”, conta Jacyana. Em casa, o pai não teve dor de cabeça com os filhos. Na base da conversa, acredita tê-los educado da melhor forma possível, sem deixar de chamar a atenção quando necessário, mantendo o equilíbrio. “Eles nunca deram trabalho, nunca foram rebeldes, graças a Deus”, admite o treinador.

“Meu pai é incrível: pessoa maravilhosa, exemplo de humildade, caráter digno, amigo, respeitador, um verdadeiro paizão. Agradeço todos os dias por ele ser meu pai, meu amigo. Obrigada por tudo. Estaremos sempre juntos. Te amo eternamente.”
Jéssica Uvini, 25

Aos 17 anos, Bortolança trabalhava, estudava e jogava futebol. A chance de fazer um teste na Ponte Preta surgiu em 1983, ano em que se formaria técnico em Química. Após ser aprovado, passou a treinar às quintas, sextas e sábados em Campinas, e nos outros dias continuou se dedicando à conclusão do curso em Araras, cidade onde nasceu e morava.

Um ano depois, foi quase de vez para as bandas campineiras. Voltava para casa apenas nos fins de semana. Mas, em 1986, Tuca disputou a Copa São Paulo (hoje Taça São Paulo) contra o Fluminense e se tornou vice-campeão. Com isso, o atleta foi emprestado ao Capivariano, que na época estava bastante competitivo, segundo o instrutor. Foi a primeira vez em que jogou como profissional.

“Daí eu conheci ela [Jacyana], namoramos, casamos em 1988, daí eu retornei para a Ponte e passamos a morar em Campinas.” “Aí tivemos a Jé”, lembra a esposa. Depois, em 1992, o casal foi para Joinville (SC), com o segundo filho ainda bem pequeno. Na época, Tuca jogava no Joinville Esporte Clube. “Nós fomos de mudança e tudo, mas ficamos apenas seis meses porque eu estava emprestado também, para o Campeonato Brasileiro. Então voltamos para Capivari”, explica Bortolança.

E quando a família achou que ia sossegar um pouco, o ex-atleta foi emprestado para o União São João, time de sua terra natal. “A gente ficava um pouco lá, um pouco cá, porque meus pais moram lá; meu pai, na verdade, porque minha faleceu.” Em 1993, Tuca voltou a jogar pelo Capivariano, mas no ano seguinte retornou à Ponte Preta até 1995; foi quando decidiu encerrar a carreira. “Jogador é assim: uma mercadoria do clube. Não conta como pessoa”, destaca Jacy.

Com 30 anos, o pai de Uvini – que hoje joga no Santos, emprestado do Napoli, da Itália – resolveu abrir, em sociedade, uma escolinha de futebol e, em paralelo, foi convidado a ser auxiliar técnico e depois treinador do Leão da Sorocabana. “Naquele ano eu ainda disputei no Capivariano. Treinava num período e no outro ia à escolinha. Até que eu resolvi encerrar como profissional.”

Filho de peixe, peixinho é

“Eu vou ser jogador de futebol”, disse Bruno Uvini, na época com apenas 11 anos à mãe, depois de voltar de uma aula na Pinta de Craque. Duas vezes por semana ele ia com o pai na escolinha, desde os quatro anos, porque Tuca sempre gostou que os filhos fizessem algum tipo de atividade física, para afastá-los do vídeo game e da internet.

“Eu disse ‘hã? Como? O quê?’ Porque uma coisa é você ter um marido jogador e outra é ter um filho, e naquela idade? Mas ninguém tirava aquilo da cabeça dele”, recorda Jacyana Uvini. Tuca conta que ao perceber o entusiasmo do filho, disse a ele para intensificar os treinos, a fim de começar a competir nos campeonatos regionais. “É isso o que eu quero”, dizia ao pai.

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O zagueiro Bruno Uvini, que atualmente joga pelo Santos, disse que seria jogador de futebol quando tinha apenas 11 anos, após chegar de uma aula na escolinha do pai (Foto: Laila Braghero/O Semanário)

No entanto, Bortolança afirma que nunca interferiu nas escolhas de Uvini, tampouco exigiu que ele fosse um atleta, apenas pedia que fizesse uma atividade física. Certa vez, um olheiro do Pão de Açúcar (hoje Grêmio Osasco Audax) foi até a pequena escola capivariana a pedido de um amigo do instrutor. Nesse dia, cinco meninos deixaram Capivari e Rafard com destino à capital paulista. Entre eles, Bruno Uvini.

“O Bruno foi uma grande surpresa, pois eu achava que ele ia para matar a curiosidade, ficaria uma semana e voltaria para continuar os estudos. Cabeça de mãe achava. Mas não. Com 14 anos ele foi, transferiu os estudos, e nos surpreendeu. E nos surpreende até hoje porque ele é muito guerreiro”, comenta com orgulho a mãe. “Eu chorava muito, fiquei doente, não conseguia ficar longe dele.”

Segundo Jacy, nos primeiros anos sempre antes de ir embora o filho dizia “mãe, é só uma fase, vai passar”. Mas depois ele passou a dizer “eu vou jogar na Seleção”. “Aí começaram a vir as convocações: Sub-20, Sub-16… até que ele foi para as Olimpíadas. E que continue nos surpreendendo, porque agora está definido, né? E o pai está feliz da vida.”

Quando se deu conta de que Uvini seria jogador de futebol, Tuca revela ter sentido satisfação em ver o sonho do filho se realizando, pois, de acordo com ele, toda criança que joga almeja, mas nenhuma tem certeza se vai chegar lá ou não. “E isso não quer dizer que o sonho está realizado. Tem que matar um leão por dia, mostrar que é bom jogador pra não ser dispensado do clube.”

“A gente conversa muito. Eu tenho um pouco de experiência, sei que as coisas mudam muito, mas tento orientá-lo em relação ao convívio com as pessoas, com os outros profissionais. A gente não pode estar lá junto, tem que acompanhar de longe. Se a gente estivesse junto, vendo os treinos, daria pra dar um suporte maior, mas não tem como”, lamenta, cabisbaixo, o pai do craque.

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Tuca mostra o porta-retrato em que aparece ao lado da esposa Jacyana e dos filhos Bruno e Jéssica Uvini (Foto: Laila Braghero/O Semanário)

Pai à distância

É difícil ser pai de longe, não demora em responder. Entretanto, nos dias de hoje, com a ajuda da tecnologia, dá pra conversar um pouco quase todos os dias, afirma Tuca. “A gente mata a saudade por telefone ou pela internet. Mas eu gostaria de estar mais presente, de conviver no dia a dia. Por outro lado, a gente sabe que ele tem a vida dele, nós também temos compromissos aqui. Não podemos largar tudo para segui-lo.”

Atrelada à dificuldade de estar junto, Bortolança já precisou enfrentar barras um tanto quanto pesadas. Uma delas foi encarar a despedida no aeroporto quando Uvini, aos 20 anos, assinou contrato com o Napoli. Jacyana não teve coragem de ir junto, então o pai do atleta foi sozinho. “A gente fica feliz e triste ao mesmo tempo, por causa da distância e porque não podemos vê-lo”, ressalta.

Um pouco antes, durante a semifinal do Campeonato Sul-Americano, no Peru, o filho de Tuca jogava pela Seleção Brasileira quando, aos três segundos, sofreu uma lesão e quebrou a perna. “A câmera seguiu no jogo e ninguém falava mais nada. Foi um momento muito marcante para nós, porque não sabíamos o que tinha acontecido. Depois de três horas ele nos ligou do hospital tentando nos acalmar, mas disse que havia quebrado a fíbula e que precisaria operar”, relembra Jacyana.

“Meu pai é meu exemplo, não só de pai, mas de ser humano. Muito do meu caráter e da minha personalidade devo à educação que ele me deu. Se eu conseguir ser apenas um pouco da pessoa que ele é e que todos conhecem, tenho certeza que serei um grande pai para meus filhos. Sou muito grato a ele, pois se não fosse ele me incentivando e me aconselhando essa minha carreira seria apenas um sonho. Amo muito esse cara.”
Bruno Uvini, 23

Neste domingo, 10, Dia dos Pais, a família de Aurélio Venâncio Bortolança Junior não estará completa. Às 16h, tem Santos x Corinthians, na Vila Belmiro. “Um jogo difícil, meio chato de assistir, com duas torcidas”, diz Tuca. “Eu prefiro ficar quietinha em casa rezando”, completa Jacy. Apesar da distância, os corações estão sempre em sintonia. “Antes de cada partida ele liga para o pai pra pedir a benção e conversa um pouco com nós três. É bonito de ver”, continua a mãe.

Sobre o pai de Jéssica e Bruno Uvini, a designer de bordados enfatiza: “O Tuca sempre foi um paizão. Quando minha filha saía, ela podia ligar a hora que fosse que ele largava tudo e ia buscá-la. Ele sempre foi assim: cuidadoso, companheiro, amigo e brincalhão. Resumindo: o Tuca é um pai-amigo”, diz Jacy, com os olhos marejados.

Jornal O Semanário

Esta notícia foi publicada por um dos redatores do jornal O Semanário, não significa que foi escrita por um deles, em alguns dos casos, foi apenas editada.

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