Opinião

Crônicas – Além dos medos

Bruno Bossolan - www.brunobossolan.blogspot.com

Prefiro a mentira que me cobre até os medos! Nesse tempo instável, como as minhas escolhas, é sempre bom passar despercebida dentro dos murmúrios. -Revelou sem alongar o caminho.
Dessas mulheres que não interpretam o acaso, mas que se jogam no precipício mudo de satisfazer algumas solidões. Em algum ponto do corpo, pensava ela, existia a entrada para o íntimo ainda não tocado, mas não queria se abrir e deixar ser explorada pelas investidas de qualquer vira-lata. Bom gosto ela tinha, pois escolheu se esconder atrás de uma fantasia espalhafatosa e conceitual, do mesmo jeito incauto que fazia as sessões de lástimas diárias em frente à TV, assistindo qualquer bobagem que remetesse ao passado, que estourasse no presente, e quem sabe, se por alguma sintonia pecaminosa, perdurasse por mais alguns anos diante do maltrato coração que hospedava estranhos. Sair por aí demonstrando a farsa e se redimir com o mundo por demorar salientando expectativas sempre foi um esconderijo infantil. E continuava, sem consultar qualquer oráculo para dizer o que era menos ardiloso, incitando o pensamento perdido que se vestia como um manequim acéfalo.
Pagou pelo descaso à vista, só para mostrar que era bem remunerada e que a importância da saúde era encharcar o pessimismo, que era respeitada onde fingia trabalhar centrada, que era independente e sabia fazer o que queria, e de fato sabia se estrepar como ninguém. Saiu de si, como quem sai do quarto e não se reconhece mais ao admitir sua pequenez abaixo do céu, como quem dá braçadas no espelho tentando moer a imagem distorcida, como um faminto que não usa o estômago para digerir a vida. Nada poderia reerguê-la senão algum abraço despretensioso.
A fuga para longe do Todo. Quanto mais os gestos imprecisos pairavam no vento dos cabelos, mais o azedo do remorso enegrecia o rosto delicado. Alguém lá fora, longe da vida conturbada, lhe tinha como querida, mas o adorar dela era diferenciado dos que pagam em moedas desvalorizadas pelo comércio clandestino das afeições.
Um banho pode ser minha salvação. – pensou. A água quente levando a alma pelo ralo, de tanto se queimar pensando na vida debaixo da monstruosa quantia de vitalidade que esperava receber do chuveiro. Certamente não era o universo que conspirava. Chovia pelos olhos. A angústia da sobriedade mergulhada na razão poderia vomitar na privada o entalado de quinquilharias que juntou desde o primeiro beijo, mas morreria tentando se apagar. Buscou sanar qualquer ferida, imediatismo simbólico, farsa dolorida, agravante da falta de cuidado. A imundície nos afetos não saía, era embargo, como a cruz cravada no epicentro cardíaco.
Fim, e o banho foi mais uma companhia tardia. Perambulou no cômodo apertado que chamava de corpo. A liberdade balançou o berço da menina fragilizada que pensava ser mulher madura. E ali no sonho ela matou a saudade. Não será mais nada até que se arda por inteira. Logo amanhecerá e ela não terá do que se lembrar. A rotinha lhe retém nas mãos e a insensibilidade parece ser um vício agradável.

Jornal O Semanário

Esta notícia foi publicada por um dos redatores do jornal O Semanário, não significa que foi escrita por um deles, em alguns dos casos, foi apenas editada.

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