Opinião

Independência ou sorte?

No transcurso do Bicentenário da Independência, cabe profunda reflexão sobre os erros que impediram a construção de um Brasil mais próspero e socialmente equilibrado. As causas são múltiplas, abrangendo a intermitência de regimes de exceção e democracia, a negligência com a educação, ciência e pesquisa, políticas econômicas equivocadas, um Estado superdimensionado, que gasta muito e investe mal, políticas nem sempre favoráveis no comércio exterior, insegurança jurídica e tantos outros conhecidos problemas que nos mantêm, depois de dois séculos de soberania, como país de renda média e acentuadas desigualdades.

Entretanto, há um fator com grande peso em nossa incapacidade de conquistar o desenvolvimento: durante longo período nos 200 anos como nação livre, subvertemos a lógica que moveu os grandes ciclos de prosperidade dos países hoje ricos, desencadeados pela Revolução Industrial, na Inglaterra, a partir de 1760.

Resignamo-nos, durante muito tempo, à condição de fornecedores de matérias-primas, à época subvalorizadas, e compradores de produtos manufaturados de alto valor agregado.

Tal desequilíbrio durou mais de 120 anos, entre a Independência, em 1822, e o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, quando finalmente tivemos um forte impulso industrial, que se estendeu até a década de 1980. Não foi coincidência termos registrado, nesse espaço de tempo, um dos mais elevados índices de crescimento econômico do mundo, com a criação de milhões de empregos, fomento da tecnologia e inovação, valorização de nossa pauta de exportações e melhoria da renda e da média salarial.

Regredimos nos últimos 40 anos. A indústria, que chegou a representar quase um quarto do PIB nacional, participa hoje com 11,3%, embora sua carga tributária seja um terço do total arrecadado. Nossa economia tem crescimento pífio, estamos com cerca de 11 milhões de desempregados, dívida pública elevadíssima, inflação em alta e baixos índices de investimento produtivo. Seguimos com déficit de infraestrutura, moradias e saneamento básico, bem como dívida social grave, considerando o cenário de exclusão e os problemas da saúde, educação e segurança pública.

Temos sorte, é verdade, pois possuímos um dos maiores territórios do mundo, recursos naturais abundantes, terras agricultáveis imensas, a maior reserva hídrica, biodiversidade, petróleo e gás natural, sol o ano inteiro, bons regimes pluviais e climáticos e uma grande população, resiliente e disposta a enfrentar desafios. As commodities agrícolas e os alimentos, ao contrário do que ocorria no passado, têm valor muito maior, numa conjuntura global de aumento constante de sua demanda. Essa tendência, somada à competência do agronegócio brasileiro, tem sido fator importante para nossa economia e balança comercial.

A fortuna, porém, não baterá sempre na porta deste País e não é suficiente para que conquistemos o desenvolvimento. O que está faltando? Além dos diagnósticos consensuais sobre a premência das reformas estruturantes, como a administrativa e tributária, insegurança jurídica e todos os conhecidos fatores que compõem o “Custo Brasil”, precisamos retomar a lógica da prosperidade das nações ricas, com uma política industrial eficaz. E podemos realizá-la melhor do que a Europa e os Estados Unidos fizeram no século passado, preservando o meio ambiente, utilizando combustíveis e energias mais limpas e renováveis, distribuindo renda, por meio dos salários mais elevados pagos pelo setor, agregando valor à nossa pauta de exportações, gerando inovação e tecnologia.

Carecemos de uma política industrial de longo prazo, subsidiada pelo fomento da pesquisa e da ciência e que proporcione linhas especiais de crédito, incentivos à produção e regime tributário indutor de investimentos. Um projeto de país, não de governo. Cabe reduzir barreiras burocráticas e estimular segmentos nos quais temos vantagens competitivas. O avanço do parque fabril deve ser focado na Manufatura Avançada, caracterizada pela digitalização da economia, inteligência artificial, internet das coisas, impressão 3D, robotização e ESG (Meio Ambiente, Social e Governança Corporativa). A maioria de nossos problemas foi criada por nós, cabe a nós a solução.

O setor já tem feito imenso esforço no sentido de promover todos esses avanços, mas vem enfrentando barreiras muito pesadas nas últimas quatro décadas. O Brasil soberano voltou a estabelecer sérios obstáculos à indústria, como ocorria, guardadas as devidas proporções, à época colonial, quando a Coroa de Portugal proibiu a atividade de 1530 a 1808, impondo-nos o extrativismo agrícola, florestal e mineral. Não podemos ser os novos colonizadores de nosso próprio destino.

Muito mais do que a sorte do que temos em nossa natureza e do povo que somos, precisamos, 200 anos após o Grito do Ipiranga, conquistar a independência em sua plenitude. Isso significa melhor educação, cultura e saúde, moradias dignas, saneamento básico, renda elevada e mais bem distribuída, bem-estar social e autonomia científico-tecnológica. Afinal, são esses os indicadores efetivos de um povo verdadeiramente livre.

Artigo de Rafael Cervone, engenheiro e empresário, é presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP)

Rafael Cervone, engenheiro e empresário, é presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP)
Rafael Cervone, engenheiro e empresário, é presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP)

 

Jornal O Semanário

Esta notícia foi publicada por um dos redatores do jornal O Semanário, não significa que foi escrita por um deles, em alguns dos casos, foi apenas editada.

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