Opinião

Das excludentes de antijuridicidade

Gillys Esquitini Scrocca - Delegado de Polícia, advogado, professor, radialista e colunista capivariano

Estou discorrendo nesta oportunidade sobre o Projeto de Lei nº 1843/2011, de autoria do Deputado Federal João Campos, que possibilita ao Delegado de Polícia apreciar a existência de causas excludentes de antijuridicidade, por ocasião da lavratura do auto de prisão em flagrante, pois acrescenta o parágrafo 4º ao artigo 304, do Código de Processo Penal. Poderá a autoridade, assim, verificar se o agente praticou a conduta em estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal.
O art. 304, do Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, passaria a vigorar acrescido do seguinte § 4º; ou seja: § 4º. Se a autoridade policial verificar, pelos elementos coligidos ao auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III, do caput do art. 23, do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao investigado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento obrigatório ao juízo competente, sob pena de revogação.
O citado projeto preenche imensa lacuna legislativa, que tem dificultado o exercício da atividade de Polícia Judiciária e causado situações de extrema injustiça.
Para aquilatar a complexidade da questão, basta dizer que, atualmente, se uma pessoa for apresentada na Delegacia de Polícia, por ter matado, em legítima defesa, criminoso que tentava matá-la, roubar ou estuprar sua filha, o Delegado de Polícia é obrigado a autuá-la em flagrante, e encaminhar ato contínuo ao cárcere.
Tal situação é absurda, mas ocorre com frequência. Podemos até citar em tese um caso que recentemente foi veiculado pela imprensa e ocorreu na cidade de Rafard. O autor, proprietário de um Bar, que teria sido provocado e ameaçado pela vítima que sequer usou qualquer arma e além do mais chamou à presença os guardas municipais. Infelizmente o pior aconteceu: reagindo, acabou matando o desafeto que teria o ameaçado e agredido.
A autoridade policial é obrigada a tomar tal medida, porque a atual redação do parágrafo único, do artigo 310, do Código de Processo Penal, permite somente ao juiz apreciar as chamadas excludentes de antijuridicidade (estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito).
Apenas depois de receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente relaxar a prisão ilegal ou converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 desse Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes às medidas cautelares diversas da prisão; ou conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal – poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação.
Pode acontecer que pessoas inocentes permaneçam presas na companhia de criminosos de alta periculosidade, até que o Poder Judiciário aprecie o caso.
Ressalte-se que a situação descrita é ilegal e injusta, pois, sob o aspecto formal, essas pessoas não cometeram crime.
Não basta que o fato seja típico, pois é preciso que seja contrário ao direito, isto é, antijurídico. Isto porque, embora o fato seja típico, algumas vezes é considerado lícito, quando praticado, por exemplo, em legítima defesa.
Entretanto, essas pessoas, apesar de não terem cometido delito, sob o aspecto formal, continuam sendo injustamente autuadas em flagrante, porquanto a legislação vigente não permite que a autoridade policial verifique, por ocasião da lavratura do auto de prisão em flagrante, a existência de alguma causa de exclusão da antijuridicidade.
Saliente-se que o Delegado de Polícia é a primeira autoridade a tomar conhecimento do fato e manter contato com os envolvidos na ocorrência, podendo, com base nos elementos coligidos, evitar prisões desnecessárias.
Ressalte-se, ainda, que a prerrogativa de o Delegado de Polícia verificar a existência de alguma causa de exclusão da antijuridicidade, objeto da mencionada proposta, não causará prejuízo à Justiça Criminal, na medida em que a legalidade de tal ato será, posteriormente, analisada pelo Poder Judiciário e Ministério Público, que poderão adotar providências, na esfera penal e administrativa, quando houver qualquer irregularidade.
Com a aprovação do projeto de lei 1843/2011 a prisão em flagrante será composta de quatro momentos distintos: a captura do autor do ilícito, no instante da infração ou logo após a sua realização; condução do autor da infração à presença da autoridade policial; lavratura do auto de prisão em flagrante; ocorrendo uma das causas de exclusão de antijuridicidade não haverá o recolhimento ao cárcere, uma vez que o Delegado de Polícia, convencido de que o crime foi praticado em estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito, concederá, fundamentando, liberdade provisória ao investigado.

Jornal O Semanário

Esta notícia foi publicada por um dos redatores do jornal O Semanário, não significa que foi escrita por um deles, em alguns dos casos, foi apenas editada.

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