J.R. Guedes de Oliveira

O fascínio que a “Ponte do Pinho” exerce

(Ao estimado amigo Prof. Dr. Newton Sabbá Guimarães)

Uma das edificações mais belas e perfeitas, do final do século XVIII e princípio do século XIX, em Capivari, foi a Ponte do Pinho. Esta servia para o tráfego do ramal da Estrada de Ferro Sorocabana.

Para quem toma a Rua André de Melo, sentido cidade-bairro, no seu final temos a Ponte do Santoro. Seguindo, do lado esquerdo, com quem se dirige a casa dos Colnaghis o leito férreo se desenvolvia numa esplêndida curva que a “Maria Fumaça” avançava com cargas e passageiros.

De um lado, os trilhos para Indaiatuba; de outro, para Piracicaba, passando por Mombuca e Rio das Pedras. Mas um pouco distante, se avistava a alta e majestosa Ponte do Pinho. Um conjunto arquitetônico avançado para a época, com pedras lapidadas, sobrepostas nas encostas para evitar quedas e deslizamento de terras.

Havia, assim, as águas do rio, mas com águas rasas, onde a petizada do meu tempo, lá pelos anos 50 e 60, se reunia para os chamados mergulhos e banhos.

O pintor capivariano, radicado em Indaiatuba, Norberto B. Campos, autor de mais de 4000 mil quadros à óleo, em 70 anos de ininterruptas produções, conta as suas histórias de lá ir se banhar. Afiança-me, com a sua absoluta certeza, de pintar brevemente esta ponte, que ainda tem em sua retina, mas acrescentando, contudo, algumas crianças nadando e em suas margens.

Isto é ponto pacífico para ele. Diz, taxativamente, que exercia sobre ele um grande fascínio pelo local, sem, no entanto, levar em conta que bem perto dali, ainda na Rua

André de Meto com a Rua Antonio Pires, morou por muito tempo, onde, ainda tenra idade, conheceu e foi elogiado pela Tarsila do Amaral, em visita a uma sua amiga também por ali residente.

O poeta e jurista Dr. Erício Gonzaga (1901-1974), filho de Capivari, relata no poema Paisagem da Terra Natal, a sua visita ao local, em 1940:

No fim da rua André de Melo, a ponte
Sobre o rio e, a seguir, pequena estrada
Para a oficina do Araújo e ao monte
Onde há uma casa entre árvores situada.

E dali vejo linhas paralelas
Da via férrea que me atraem; sigo,
Serenamente, a passear entre elas,
A me entreter e a conversar comigo.

À esquerda, duas casas com latadas
De flores, cocos, hortas e paióis;
Ao lado, terras soltas ou roçadas,
Crestadas ao calor de muitos sóis.

Chego, afinal, à meta procurada,
Ponte do Pinho, longe da cidade;
Sossego-me da longa caminhada
E olho ao redor, imenso de saudade.

Ali tomamos banho muitas tardes,
Ia da pedra em pedra dentro ao rio,
Nos meus ruidosos e infantis alados,
A molecada em grande vozerio.

Em outros sonetos, que reuni em dois grossos volumes (ainda inéditos em termos de edição), Erício Gonzaga descreve as ruas, as praças, a igreja e monumentos de sua terra natal, principalmente os próximos da sua então residência na Rua Tiradentes, para quem se destina a cidade de Rafard, tomando a antiga estrada do Matadouro.

É comovedor a sensibilidade desta figura que deu à cidade enormes predicados em citações por onde a sua figura passou, engrandecendo o Ministério Público do Estado de São Paulo. A sua poesia é cheia de entusiasmo pela meninice em busca das águas por debaixo da Ponte do Pinho.

Conta-se e sabe-se que Júlio Ribeiro (1845-1890), escritor e filólogo, na sua estada em Capivari, quando adquiriu a casa na Rua Padre Bento (ainda conservada), iniciou e terminou a sua polêmica e grandiosa obra A Carne, em terras capivarianas.

Tem-se notícias de que toda a obra foi concebida às margens do rio e sob a Ponte do Pinho onde, por dias e mais dias, ali se dirigia, buscando, talvez, a sua inspiração. As crônicas de então e as falas era de que se precisassem do célebre professor, fossem buscá-lo lá pelos trilhos da Sorocabana, até se chegar à Ponte do Pinho, avistando-o com cadernos de anotações e sentado em alguma pedra.

Seria, então, algo fenomenal que tal ponte exercia sobre as pessoas? É, por demais, interessante uma melhor pesquisa, a fim de poder opinar com mais propriedade.

Hoje a Ponte do Pinho, desativada, em razão da extinção da via férrea do ramal da Sorocabana, lá permanece, em ruínas e abandono, cercado de intensa vegetação que lhe roubou, com o tempo, a sua beleza arquitetônica e a sua utilidade primordial.

As águas turvas e sonolentas em nada nos reportam a um passado cheio de mistérios. São só restos perdidos e malcheirosos de um tempo rasgado pelo homem que não preserva o seu passado.

Indaiatuba, SP, 21/06/2020

ARTIGO escrito por J. R. Guedes de Oliveira, ensaísta, biógrafo e historiador. Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do jornal. São de inteira responsabilidade de seus autores.

Jornal O Semanário

Esta notícia foi publicada por um dos redatores do jornal O Semanário, não significa que foi escrita por um deles, em alguns dos casos, foi apenas editada.

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