Carta do Leitor

Saudades de um tempo que não vivi

Carta do Leitor

O século é XXI, o ano 2020. Tendo 21 anos, é difícil acreditar que, nessa idade, eu tenha tanta dificuldade de me adaptar. Faculdade faço à distância, tudo online. Conversas com amigos? Só por mensagem ou chamada de áudio/vídeo. Pra matar a saudade de um parente distante, envio fotos ou vídeos. Pagar contas, só pelo celular.

Um suspiro.

Diversas vezes me pergunto o que aconteceu comigo. O que aconteceu comigo para, todas as vezes que olho ao meu redor, sentir esse vazio inexplicável. Um vazio que, sempre ao imaginar o futuro, faz com que eu sinta meu coração apertado. As vezes penso ser medo, medo de não conquistar meus sonhos, de não chegar onde espero. Mas no fundo, sei que é medo de não me adaptar mais. Já nasci em uma geração voltada para informática, para o www e tudo que envolve a Internet. Conforme fui me tornando adulta (apesar de ainda não me considerar como), fui vendo a distância entre as pessoas só aumentando. Lembro dos encontros de família “no sítio da vó”, que hoje em dia não existem mais, mas sim, chamadas por vídeo para vermos a avó tão querida, que não pode sair devido a pandemia. Lembro ainda um pouco antes, quando criança, brincava na casa de uma amiga em um sítio na estrada. Lugar esse que o balanço era nosso celular, escalar árvores era nosso computador e correr entre os cafezais era o que nos fazia rir, não uma foto curtida ou um canal do YouTube. Lembro do canal de tv onde passavam só desenhos educativos, hoje em dia muito difíceis de se achar. De quando ia até um pasto verdejante nos braços de alguém, que hoje em dia quase não sei como está.

Eu lembro….

De uma época que não vivi, mas que minha mãe sempre me contou e sempre tive vontade de ter conhecido. Época em que namoro era presencial, em que a música era tocada ao vivo, em que as cartas eram esperadas sem uma certeza. Época em que quem não podia viajar, namorava revistas, sonhando com o dia em que aquela paisagem da foto fosse realidade. Época do telégrafo, época da máquina de escrever. Ah, aquele tempo. É quando começo a viver nele, que volto ainda mais atrás. Volto no tempo de minha avó, onde namoro era respeito, namoro era para casar. Onde os romances de época que leio hoje, eram realidade. Quando os homens usavam chapéu e paletó, cumprimentando as mocinhas com um aceno simpático e não um: “E aí, gostosa?!”. Quando se lavavam as roupas à mão e se estendia ao sol, quando os penteados eram feitos em casa. As fotos eram preto e branco, mas tinham um verdadeiro significado para quem as tirava.

Ah, aquele tempo.

Sinto a lágrima escorrer em meu rosto, tentando reviver aqueles dias.

Hoje posso ser jovem por fora, mas por dentro, a cada dia que passa e as coisas se tornam mais efêmeras com a tecnologia, me sinto cada vez mais velha, mais antiga. Me vejo sentindo saudade de uma época que não vivi, que não conheci, mas que pelas fotos, pelas músicas e pelos cabelos brancos que vão aparecendo nas pessoas que amo, consigo acreditar que um dia existiu, que um dia tudo isso aconteceu. Podem me chamar de estranha, ou como me disseram certa vez: “você vive em um conto de fadas”. Mas eu não me importo. Não me importo porque viver em um conto de fadas é o que me faz me sentir em casa. Me faz sentir que a brisa entre as árvores, é a mesma daquele tempo. As páginas dos livros que leio, são as mesmas que um dia foram escritas à mão, por alguém daquele tempo. Me faz ver que aquele que está ao meu lado, compartilhando esse mesmo sentimento, me entende, pois se pudesse, também teria vivido naquele tempo.

Apesar de tudo isso, fecho meus olhos e sonho.

Sonho com saudade de um dia, de um ano, de uma época…

Que eu não vivi.

Por Sara Figueiredo – Carta do Leitor

Jornal O Semanário

Esta notícia foi publicada por um dos redatores do jornal O Semanário, não significa que foi escrita por um deles, em alguns dos casos, foi apenas editada.

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